Às voltinhas na serra (ou como vencer a Transfăgărăşan)

Nos míticos Cárpatos, na fronteira entre as velhas províncias da Valáquia e da Transilvânia, fica uma das mais fotogénicas estradas de montanha do mundo. Construída para defender a Roménia de uma potencial invasão soviética, hoje a Transfăgărăşan é sinal de paz e motivo de atracção para milhares de condutores que todos os Verões entopem os 90 quilómetros de curvas e contra-curvas. Esta não é uma visita para estômagos sensíveis!

Estamos em Setembro de 1974. Portugal vive dias agitados no regresso à democracia. No outro lado da Cortina de Ferro, Nicolae Ceaușescu inaugura uma obra de engenharia de grande envergadura. Uma estrada de montanha, construída por entre estreitissimos passos e vales apertados. Na realidade, a obra começara em 1970, como resposta à invasão da Checoslováquia pelas forças de Moscovo. A invasão de 68 renovou os fantasmas de uma intervenção soviética em território romeno. Mesmo professando a mesma ideologia política e sendo parte do mesmo pacto militar, Bucareste, sob comando de Ceaușescu, sempre se mostrou como uma voz dissonante no panorama soviético. A construção desta estrada, num local de difícil acesso, surgiu como solução para uma movimentação rápida de tropas em caso de ataque. Existiam já outras estradas em locais estratégicos para atravessar os Cárpatos, mas estas poderiam ser facilmente bloqueadas pelos soviéticos.

A alternativa, arriscada, recaiu na região das montanhas de Făgăraş. A construção demorou quatro anos (1970-1974), tendo sido empregue exclusivamente mão-de-obra do Exército. Uma obra dantesca que, segundo fontes não oficiais, roubou a vida a centenas de jovens militares que, sem a preparação devida para trabalhar com explosivos e sofrendo do clima agreste da região, não resistiram ao esforço da construção.

Com uma extensão de 90 quilómetros, a Transfăgărăşan eleva-se, no seu ponto mais alto, a 2042 metros (a segunda estrada de montanha mais alta do país – a primeira é a Transalpina). É também a 2042 metros que encontramos o lago Bâlea, de origem glacial, e o maior túnel da Roménia (com pouco mais de 850 metros de cumprimento). As condições atmosféricas adversas obrigam ao encerramento da estrada nos meses de Inverno.

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A viagem de Bucareste à Transfăgărăşan faz-se de forma muito fácil: auto-estrada até Pitești e depois é só seguir a Estrada Nacional 7C. Mais difícil é vencer o trânsito da capital e, para desespero meu, as curvas e contra-curvas de uma das mais fotogénicas estradas do mundo. Só após a pequena aldeia de Corbeni é que começamos a sentir o tsunami de curvas que temos de enfrentar. O vale estreita, as copas das árvores criam um telhado verde que corta a luz do Sol. Sentimo-nos esmagados contra as altas paredes de rocha escavadas por onde o asfalto vai passando. Atravessamos um pequeno túnel, com o seu interior em bruto, tosco, pedra à vista, para nos encontrarmos com uma enorme mancha de água. O lago Vidraru, artificial, seguro por um imponente dique cinzento claro, reflecte a luz do final do dia. Aqui, o pequeno rio Argeș ganha dimensões bíblicas. Ele será o nosso companheiro de viagem pelas próximas dezenas de quilómetros. Entre água e montanha, a Natureza verde é atravessada por esta estrada que um dia serviu para movimentar peões de guerra. Hoje é um elo vital na ligação pacífica entre o Norte e o Sul da Roménia.

Depois do lago, e quando pensamos que mais curvas não poderão existir, eis que começamos a subir, subir, subir… Mas sem luz natural, pouco ou nada podíamos ver. Apenas que o alcatrão se multiplicava em curvas.

Na manhã seguinte

Abri a janela do quarto. Ao longe via as terras planas da Transilvânia. “Será Sibiu?”, pensava para com os meus botões. Depois do pequeno-almoço, o meu pensamento já antecipava todo aquele sofrimento de ter de voltar a percorrer os 90 quilómetros de curvinhas para regressar a casa. Mas, para surpresa, o céu azul e a luz do dia deram aos últimos 20 quilómetros da Transfăgărăşan um brilho especial. Não admira a atracção que esta estrada tem para os automobilistas. Avançámos. Cada curva trazia uma perspectiva diferente daquela enorme cobra de asfalto. Longa, serpenteava vagarosamente a encosta Norte dos Cárpatos. Fomos à sua boleia, parando aqui e acolá para mais uma foto. Lá em cima, bem no topo, um vento frio fazia anunciar o Inverno. Pequeninas ondas banhavam as margens do Bâlea. As suas águas, transparentes, convidavam a um mergulho, mas a temperatura tão glacial apenas permitia aos mais ousados um breve toque na sua superfície.

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A 2042 metros de altura, onde o céu e a montanha se tocam, as vistas são soberbas. Um vale, despido de árvores, por onde corre um risco negro. Aos “ésses”, serra abaixo, essa mítica estrada, cenário de programas de televisão, provas de ciclismo e milhares de fotos anónimas, é a prova do desejo e do esforço dos Homens. Uma atracção turística que deveria ser mais valorizada e preservada pelos romenos. É que estrada como esta só há uma, a Transfăgărăşan e mais nenhuma!

2 opiniões sobre “Às voltinhas na serra (ou como vencer a Transfăgărăşan)

  1. Olá Alberto, planeio uma roadtrip pela Roménia nas férias da Páscoa de 2018. Claro que a Transfăgărăşan está incluída. Ao que sei estará fechada em 27 km devido à neve. Sabe dizer-me até onde dá para ir vindo de Sul ? E de norte ?

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