As Escócias do leste

Hoje, na Escócia, a população votou o seu futuro: manter o reino ‘unido’ ou desligar-se da coroa britânica e encetar um caminho independente, separando os destinos dos escoceses dos ingleses. Desde 1707 que os dois países caminham juntos, sob o olhar do mesmo rei (rainha, na atualidade). De qualquer forma, mesmo integrando o Reino Unido, Edimburgo mantém um conjunto alargado de poderes próprios. Em breve se saberá se este status quo se manterá ou não, mas na minha opinião, independentemente do resultado da consulta popular, as relações entre as duas nações jamais ficarão iguais.

Mas porquê a Escócia num blog sobre Bucareste e a Roménia? Enquanto os líderes da Europa ocidental se preocupam com o impacto de uma Escócia independente, aqui a leste, mesmo às portas da antiga Dácia, outras Escócias lutam há anos por uma independência. Moldova (ou Moldávia) e Transdnístria, nomes que provavelmente pouco dizem aos portugueses, debatem-se por questões territoriais e culturais. Mais interessante se torna o debate quando, aqui e acolá, encontramos a frase ‘Besarabia e România!‘ (Bessarábia é Roménia) grafitada nas paredes ou em pequenos autocolantes espalhados pela cidade.

besarabia e românia

Bessarábia? É uma região histórica, ocupada sucessivamente por diversos povos, mas onde os romenos foram, durante largos períodos, a maioria da população. Hoje é um nome um pouco esquecido mas descreve, na sua quase totalidade, a República da Moldávia atual.

Mapa da Bessarábia
A Bessarábia a verde escuro, Ucrânia a verde claro e Roménia a laranja

Numa breve resenha histórica, o Tratado de Bucareste, de 1812, dividiu a região da Moldávia: a Bessarábia (Moldávia Oriental), compreendida entre os rios Dniestre e Prut, foi entregue pelo Império Otomano ao Império Russo; mais tarde, em 1878, a Roménia vê a sua independência reconhecida oficialmente unindo-se à Moldávia Ocidental. Os Czares russos controlaram a Bessarábia até à Primeira Grande Guerra, altura em que a região e a Roménia se unem formando um novo Estado.

Este cenário manter-se-ia até à Segunda Grande Guerra. Contudo, Moscovo nunca abandonou a ideia de recuperar a região, tendo mesmo criado a República Socialista Soviética Autónoma da Moldávia junto à fronteira com a Bessarábia. Esta república autónoma incluía a atual Transdnístria e outras parcelas de território que hoje são parte integrante da Ucrânia. Esta não era uma técnica nova: os soviéticos tinham feito algo similar com os finlandeses, ao criarem a República Socialista Soviética Autónoma da Carélia às portas de Helsínquia.

Em 1944, num período de grandes incertezas, quase no termo da guerra, a Bessarábia cai novamente na orbita de Moscovo. A região pertencia à parte russa que tinha sido negociada com os Nazis no famoso Pacto Molotov-Ribbentrop.

A União Soviética impôs um regime comunista ao recém-criado país, abolindo a antiga república autónoma e tornando a Moldávia uma república integrante da URSS. E aqui começam os problemas: a Transdnístria, de maioria russa e ucraniana, é integrada na Moldávia, de maioria romena. Atualmente, apesar dos poderes alargados da Transdnístria face à soberania de Chisinau (a Moldávia inscreve a região como uma unidade territorial autónoma com status jurídico especial), Tiraspol, a sua capital, luta pelo reconhecimento de jure da sua independência. Este movimento teve o seu início em 1990, nas vésperas da dissolução da União Soviética, mas até hoje nenhum Estado membro da ONU reconheceu formalmente a Transdnístria como país independente. Pelo contrário, a região é considerada parte do território moldovar. Todavia, na realidade, dentro da Moldávia existe um segundo país com um parlamento, primeiro-ministro e presidente, uma moeda própria (o rublo transdnístrio) e a língua russa, a par da romena, como idiomas oficiais. Visitar o país, um ato dificultado pela falta de segurança na região, é como regressar à ex-União Soviética. Este conflito latente, pouco falado no ocidente e que põe em causa a integridade territorial de um Estado soberano, é resultado de experiências que tiveram lugar no laboratório vermelho. A esta Escócia encapuçada em cirílico, podemos adicionar outras como a Abkhazia, na Geórgia, e Nagorno-Karabakh, entre o Azerbaijão e a Arménia.

Mas voltando à ‘Besarabia e România!‘, será assim tão forte o sentido de pertença da Moldávia atual à Roménia? E estarão os romenos abertos a acolher os vizinhos bessarábios, voltando a criar a Grande Roménia? E como veriam os parceiros europeus a integração do país mais pobre da Europa noutro que, apesar de ser mais rico e desenvolvido, ocupa ainda os lugares mais baixos nos rankings de riqueza da União Europeia? Tudo questões hipotéticas que parecem não ocupar o tempo de muitos romenos neste momento, mas que mais cedo ou mais tarde irão despertar a Europa das nações para estes ‘pequenos’ problemas a leste.

6 opiniões sobre “As Escócias do leste

  1. A Romenia tinha bem mais a perder do que a ganhar com a integraçao da Besarabia. É uma questao de orgulho ferido, tao somente isso.
    A actual Moldavia mais tarde ou mais cedo será desagregada e integrada na Russia como algumas das regioes que referiu.

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  2. Reblogged this on Cartas de Bucareste and commented:

    A propósito de um post publicado em Setembro de 2014, hoje cruzei-me com cartaz interessante: apela-se à participação dos bucarestianos numa manifestação a favor da união da Roménia com a República da Moldova. Vamos rever a história para perceber este velho fantasma que paira sobre a Roménia.

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